Agora que estamos todos de olhos postos na Ucrânia e onde a Rússia está debaixo de fogo com sanções económicas, vamos olhar para outro lado. Vamos olhar para um país que conhecemos bem, Portugal.
Todos estamos cientes que estamos livres do problema do gás russo. O nosso gás vem de outro lado e muitos têm dito que somos uma das alternativas para o abastecimento e diversificação do mercado europeu. Uma ligação mais forte a nível energético entre a Península Ibérica e o resto da Europa.
A maioria do gás que importamos vem da Argélia.
Vamos recordar o que alguns dos nossos políticos têm dito sobre o assunto:
Cavaco Silva: alternativa ao gás russo passa pela Península Ibérica
O Presidente da República defende que o abastecimento de gás ao centro e Leste da Europa deve passar a ser feito através da Península Ibérica. Cavaco Silva aponta esta solução como alternativa às actuais fontes de abastecimento provenientes da Rússia.
Cavaco Silva, que falava esta segunda-feira em Braga, onde decorre o encontro do Grupo de Arraiolos, apresentou a extensão de gasodutos que abastecem a Península Ibérica até ao centro da Europa como alternativa à redução de dependência energética europeia...
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Rui Machete em visita oficial de 24 horas à Argélia
...Portugal e a Argélia têm mantido um estreito relacionamento político, também assente nas importantes relações comerciais, culturais e no desenvolvimento de diversos projectos de cooperação. Neste âmbito, o tema da energia vai merecer particular destaque, também na sequência da crise na Ucrânia, pela forte dependência energética do ocidente face à Rússia e as significativas importações por Portugal de combustíveis minerais provenientes da Argélia, em particular o gás natural...
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A Argélia, aparece como um fornecedor alternativo ao gás russo. Ou seja pode mitigar o problema de fornecimento energético europeu, no objectivo de diversificação de fornecedores.
Mas será que a Argélia é realmente um fornecedor alternativo à Rússia? talvez sim, talvez não. Porque digo isto? pelo facto de que a Argélia e a Rússia, têm cada vez mais interesses em comum, principalmente na área energética.
Vamos aos pormenores, vamos recuar a 2006:
Algeria in Russian weapons deal
Algeria is to buy $7.5bn (£4.3bn) worth of Russian weapons and combat planes in return for Russia cancelling its debts to Moscow...
...Algeria will buy 40 MiG and 20 Sukhoi fighters, and 16 Yak jet trainers, Itar-Tass news agency reported. Also on the shopping list are eight S-300 missile systems and 40 T-90 tanks...
Eu, por esta altura, tinha escrito bastante sobre este pacote de armas. Este da Argélia e um outro da Líbia. Os dois combinados tinham o potencial de colocar em "cheque" os porta-aviões americanos que entrassem no Mediterrâneo, dado o tipo de material russo que estavam a adquirir. O melhor que a Rússia podia oferecer, inclusive mísseis que foram criados com o objectivo de atacar porta-aviões. O que se notava e ainda se nota é que países produtores de energia estão preocupados com o seu destino, dada a avidez de certos consumidores.
Apesar dos contratos enormes que a Líbia fez, saliento um deles, a encomenda de 3 navios porta-mísseis, que levam um míssil bastante mortífero: o P-270 Moskit. Um míssil supersónico com o objectivo de atacar grandes embarcações e muito protegidas.
Project 12421
Mas a Líbia não teve tempo para receber as encomendas, a realidade Líbia hoje, é outra. Agora o caso da Argélia é diferente. A Argélia recebeu as encomendas e continua nas compras. E que recebeu a Argélia desde o contrato de 2006? Vou colocar algumas das coisas adquiridas:
50 SU-30MKA
35 MI-24
16 YAK-130
300 T-90
4 submarinos - Project 636
2 embarcações project 20380
Além deste armamento saliento a aquisição de sistemas de defesa anti-aérea do melhor que a Rússia oferece para exportação. O temível sistema que os EUA nunca quiseram que o Irão ou Síria adquirissem. Os sistemas S-300.
8 Batalhões S300-PMU2
Este sistema "fecha" o Mediterrâneo e tem o potencial
de chegar a Espanha
de chegar a Espanha
A Argélia está a efectuar um forte rearmamento e as compras não se restringem à Rússia. Apesar deste grande investimento, curiosamente a partir de 2014, em plena crise ucraniana e com a Rússia debaixo de fogo com as sanções aplicadas, temos uns desenvolvimentos bastante interessantes.
Vamos ainda focar a nível de armamento:
Em 2014 é encomendado à Rússia mais 2 submarinos que estão para chegar em 2018. Com estes, a Argélia terá 6 submarinos no Mediterrâneo. Compra também novos helicópteros e manda modernizar outros.
46 MI-28N Night Hunter
6 MI-26
39 Mi-171Sh para modernização
Além disto foi assinado um contrato para mais 200 tanques T-90. Ou seja a Argélia está a ser fortemente armada pela Rússia. O nosso maior fornecedor de gás.
E além das armas o que se tem estado a passar? A Rússia está a investir no sector energético argelino. A Gazprom está lá.
Gazprom’s Next Acquisition – Algeria?
Russia’s oil and natural gas state monopoly Gazprom has been offered joint venture exploration projects in Algeria, the first foreign company to be invited to work in the country...
...Gazprom International, is already operating in Algeria, developing al-Assel oil and gas field in the east of the country in cooperation with Algeria’s Sonatrach...
...Algeria is Africa’s largest natural gas producer and second largest oil producer after Nigeria...
...Why Gazprom, why now? Simple - No significant exploration in Algeria has been carried out there for more than a decade, even as the country badly needs to develop new deposits to be able to fulfill its export commitments to Europe while meeting surging domestic needs. And actually, the contract is the result of eight years of negotiations...
...In August 2006 Sonatrach signed memorandums of understanding not only with Gazprom, but with Lukoil as well, Russia's second largest oil company and its second largest producer of oil...
Gostaria de salientar esta parte:
"Why Gazprom, why now?... the country badly needs to develop new deposits to be able to fulfill its export commitments to Europe"
O que estamos a ver aqui é algo de bastante curioso, dentro de uns anos até Portugal vai começar a importar gás explorado pela Gazprom. Não vindo da Rússia, mas vindo da Argélia.
Outubro de 2014:
Sonatrach, Gazprom announce oil discovery in Berkin Basin
ALGIERS-Sonatrach and its Russian partner Gazprom EP International B.V. announced Wednesday the successful completion of the drilling operation of Rhourde Sayah North-1 (RSHN-1)exploration wells, located at El Assel perimeter (block 236b) in Berkin Basin...
Gazprom na Argélia
Fevereiro de 2015:
Sonatrach and Gazprom discuss further natural gas collaboration in Algeria
Gazprom and Sonatrach have concluded a series of meetings in Moscow today between their two heads, Alexei Miller and Said Sahnoun, designed to further Algerian exploration and production cooperation between the two state entities...
...The meeting also considered joint actions within new oil and gas projects, while giving particular attention to potential LNG supplies...
Resumindo, este é um artigo que pretende chamar a atenção que a Rússia não está parada devido à situação ucraniana. Mais, a Rússia está a armar fortemente o nosso maior fornecedor energético e em breve, iremos "saborear" o gás argelino com sabor a russo.
Quando na Europa tanto se fala em diversificação de fornecedores energéticos, quando em Portugal se diz que não há problema porque não importamos gás da Rússia, deviamos olhar com mais atenção. A Rússia está presente nos fornecedores alternativos e está a armá-los. A Europa de uma maneira ou de outra, vai comprar mais à Rússia. Seja directamente, seja indirectamente.
Se pensarmos mais um pouco, existe alguma ironia na situação. Portugal está a contribuir para os cofres russos. Comprará gás argelino "made by Rússia", e a Argélia com esse dinheiro comprará armas russas.
Ou seja, Portugal indirectamente está a pagar a modernização militar da Argélia, a manter as fábricas de armamento russo a funcionar, e ainda dá lucro à Gazprom.
É este o mundo global em que vivemos.
Excelente trabalho de pesquisa!!! Ficou bem completo.
ResponderEliminarDeixa eu te perguntar algo relacionado ao "ataque" europeu, em vez do "ataque" russo. É verdade que, se Assad cair, a Europa vai usar a Síria como rota para passar um gasoduto vindo do Catar e assim comprar mto gás do Catar, dando um xeque-mate na Rússia?
BrazilianMan,
ResponderEliminarAssad não caiu até agora, portanto penso que será muito difícil, tirá-lo de lá nos próximos tempos. Estabilizar o país, só visualizo a muito longo prazo. Um pipeline vindo do Qatar, terá que atravessar zonas muito instáveis. Poderá a Europa recorrer a um pipeline tão instável? duvido.
Não acredito que algo possa vir desse lado, em termos de pipelines que a Europa possa contar.
Não será assim que vão substituir a Rússia como fornecedor.