domingo, 14 de janeiro de 2024

Mar Vermelho: A Impotência Americana





A situação dos Houthis adicionou a 2024 uma nova complexidade que irá a acelerar os problemas crescentes para os EUA e Europa. Vou aproveitar um artigo publicado pela CNN/TVI para fazer alguns reparos.


Como a crise do Mar Vermelho pode afetar a economia mundial 

Os ataques no Mar Vermelho de militantes apoiados pelo Irão foram eficazes em fechar uma das principais rotas comerciais do mundo à maioria dos navios porta-contentores - navios que transportam tudo, desde peças de automóveis a Crocs, de um canto do globo para outro.

Um encerramento prolongado da via navegável, que faz a ligação com o Canal do Suez, pode entravar as cadeias de abastecimento mundiais e fazer subir os preços dos produtos produzidos num momento crucial da luta contra a inflação. O Canal do Suez é responsável por 10-15% do comércio mundial, o que inclui as exportações de petróleo, e por 30% do volume global de transporte de contentores...

As empresas de distribuição alertam para os atrasos nos envios e para o custo do transporte marítimo de mercadorias estar a aumentar.

Seis das dez maiores empresas de transporte marítimo de contentores - Maersk, MSC, Hapag-Lloyd, CMA CGM, ZIM e ONE - estão a evitar total ou parcialmente o Mar Vermelho devido à ameaça dos militantes Houthi.

"Num cenário de escalada de conflitos, o fornecimento de energia também poderia ser substancialmente interrompido, levando a um aumento dos preços da energia", acrescenta o relatório do Banco Mundial. "Isto teria repercussões significativas nos preços de outros produtos de base".

A ameaça aos preços da energia é o maior risco, segundo a Capital Economics.

Alguns fabricantes europeus de automóveis desviaram as suas expedições para a zona do Cabo da Boa Esperança. "Isto implicou custos mais elevados e atrasos de cerca de duas semanas", afirmou um porta-voz da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis.

...os artigos destinados à Europa estão a demorar mais duas semanas do que o habitual a chegar...

...A Abercrombie & Fitch planeia utilizar o transporte aéreo de mercadorias sempre que possível para evitar atrasos..

...Além do aumento das taxas de frete à vista devido aos ataques no Mar Vermelho, os transportadores estão a acrescentar sobretaxas de emergência...

...A falha no Canal do Suez vem juntar-se aos problemas existentes no sector do transporte marítimo, com o tráfego através do Canal do Panamá, que é vital, já a sofrer restrições devido a uma grave seca...

Este artigo é muito interessante, porque acabam por dizer algo que têm evitado de dizer com a guerra da Ucrânia e que sempre tenho chamado a atenção por aqui:


"Num cenário de escalada de conflitos, o fornecimento de energia também poderia ser substancialmente interrompido, levando a um aumento dos preços da energia", acrescenta o relatório do Banco Mundial. "Isto teria repercussões significativas nos preços de outros produtos de base".

A ameaça aos preços da energia é o maior risco, segundo a Capital Economics.

 

Obviamente o preço da energia tem repercussões negativas nos preços dos outros produtos de base.

E é aqui onde estamos e a principal razão de ter andado a fazer os posts com o título "Guerras Energéticas: A Bomba Relógio Russa".

O preço da energia afecta tudo o resto. As economias necessitam de energia, energia em abundância e o preço da mesma determina tudo o resto. Onde se encaixa a Europa nisto?

Vejamos o que se passa na Europa:

  • Perdeu os baixos preços do seu principal fornecedor energético (Rússia)
  • Ordenados Altos
  • Inflação persistente
  • Taxas de juro altas

As economias e competitividade europeias estão em risco. E agora que toda a gente está sensível para o tema da inflação e taxas de juro, tendo esperança que a coisa vá abrandar em 2024, o que acontece?

Uma das principais rotas de tráfego marítimo está praticamente bloqueada. A questão não afecta apenas Israel. Afecta toda a Europa e Estados Unidos. A Europa principalmente pelos aumentos de custos e atrasos nas entregas pelo facto de o tráfego ser obrigado a usar uma rota muito mais longa. Contornar o continente africano. Só pelo aumento da duração da viagem dá para perceber a gravidade da situação. Um navio que arranque da China, demora mais 16 a 20 dias a retornar ao local de origem para carregar de novo. É imaginar o brutal impacto de uma coisa destas.




Os EUA têm a sua credibilidade afectada. A superpotência que está no topo, com mais de uma dezena de porta-aviões nucleares e incontáveis bases na região é incapaz de assegurar a segurança  de uma rota marítima crucial que está ameaçada por uns rebeldes houthis que ocupam parte de um país, o Yemen.

E dado que não possuem sistemas defensivos capazes de assegurar a destruição de tudo o que os Houthis lançam de forma a dizer que a navegação civil pode passar em segurança, usam o que têm. Sistemas ofensivos. Bombardeiam o país.

Com isto garantiram a segurança da rota? exactamente o contrário, acabaram por deitar mais gasolina para a fogueira.

Os EUA e os ingleses envolveram-se no conflito para dizerem que estão a fazer algo. Mas a escolha não poderia ter sido pior.

Agora os houthis, vão receber apoio directo ou indirecto de todos aqueles que estão interessados em prejudicar os interesses dos EUA, os interesses de Israel ou de quem os apoia.

A rota vai ficar numa situação ainda mais perigosa, apesar das de toda uma coligação ocidental de navios a proteger e as inúmeras bases americanas em seu redor.


E claro que com toda esta situação, a questão ucraniana já de si complicada, acabou por ficar ainda pior. A Europa vai ter atrasos em entregas, aumentos de preços que conduzirá a um aumento de inflação que será combatida com aumentos das taxas de juro. Ou seja, mais um sinal do que vem aí para as economias europeias e para os europeus.

Com este ataque ao Yemen, os EUA acabaram de dar uma grande ajuda indirectamente à Rússia.

É que se há problemas na rota que usa o canal do Panamá, agora criou-se problemas na rota que usa o canal do Suez, existe uma outra rota alternativa que está em crescimento, mais curta e controlada em absoluto apenas por um país.

O Northern Sea Route. A rota que a Rússia está a investir de uma forma brutal nos últimos anos.

Podemos ver pela imagem anterior que a alternativa que está a ser usada para evitar o canal do Suez é contornar o continente africano, sendo uma viagem significativamente mais longa. A alternativa russa de ligar a Ásia à Europa é mais curta e rápida. Não poderá captar todo o tráfego mas irá acelerar o seu uso que é algo que a Rússia quer.




E a China tem estado a demonstrar um interesse cada vez maior nesta rota. Aliás a China está a ser um dos maiores beneficiários de todos os problemas entre a Europa e a Rússia.

  • Recebe o gás barato que estava destinado à Europa
  • Usa o espaço aéreo russo, tornando as companhias de aviação chinesas mais rápidas e competitivas
  • Usa a ferrovia da Rússia para chegar à Europa
  • Usa o transporte rodoviário para chegar à Europa.

China Pushes Northern Sea Route Transit Cargo to New Record

Strong demand for Russian crude oil in China resulted in record transit cargo on the Northern Sea Route in 2023. More than a dozen shipments delivered 1.5m tons of crude oil from the Baltic Sea to China through the Arctic. In total the route saw 2.1m tons of transit cargo, surpassing the previous high set in 2021.

Navios escoltados por um quebra-gelos nuclear

Transit traffic on Russia’s Northern Sea Route (NSR) has rebounded to new heights. According to data by the Center for High North Logistics, the Arctic’s main shipping corridor saw 75 transit shipments totalling 2.1 million tons of cargo during 2023.

The cargo figure sets a new record and represents a sharp rebound after just 41,000 tons last year when most Western operators stepped away from doing business with Russia...

The transport of natural resources, especially crude oil, iron ore, coal and LNG dominate transit cargo. 

The growth in transit cargo comes as a result of the rerouting of Russian oil from the Baltic to China via the Arctic. Following the EU’s ban on the import of Russian crude at the end of 2022, the country took steps to ship some of its product using the NSR...

[Link]

Eu já tenho feito referências a esta nova rota, por exemplo no post O Novo Caminho Marítimo Para A Índia .

Ou seja, é do interesse de muita gente que os EUA fiquem verdadeiramente atolados e que seja demonstrada a sua incapacidade de resolver o problema. Ou seja, a segurança de uma rota marítima.

Está a ser colocado em causa a capacidade dos EUA dominarem os mares. E está a ser feito através de uns rebeldes houthis, um país ao nível apenas um pouco acima do Afeganistão.

Se é mau para a superpotência de topo?

Mau é pouco. É bem pior.

Aguardemos pelos desenvolvimentos.




P.S. A presença americana na Síria.

Os EUA voltaram a fazê-lo. Os EUA que estão no Iraque contra a vontade expressa dos iraquianos e os seus políticos, recusam-se a sair e voltam a atacar e matar em solo iraquiano.

Esta situação deixa pouco margem para os políticos iraquianos que estão a ser cada vez mais pressionados a "convidarem" os americanos a sair definitivamente.

Iraq seeks quick exit of US forces but no deadline set, PM says

Iraq wants a quick and orderly negotiated exit of U.S-led military forces from its soil but has not set a deadline, Prime Minister Mohammed Shia al-Sudani said, describing their presence as destabilising amid regional spillover from the Gaza war.

Longstanding calls by mostly Shi'ite Muslim factions, many close to Iran, for the U.S-led coalition's departure have gained steam after a series of U.S. strikes on Iran-linked militant groups that are also part of Iraq's formal security forces...

[Link]

O problema é que a saída dos americanos do Iraque coloca em causa a continuidade da presença americana na Síria, dado que o Iraque está a ser usado para chegar a território sírio.

E se eles deixarem de ter acesso à Síria, a Rússia avança para que Assad controle todo o terrítório incluindo a parte rica em petróleo, trazendo assim para economia síria muito do dinheiro que necessitam.

Além de todos os aspectos negativos de tal acontecimento para os EUA, num ano de eleições então...