Este blogue dedica-se principalmente ao conflito energético entre potências, com incidência especial num possível confronto entre os dois maiores consumidores, EUA e China. Destaca também o declínio económico dos EUA, respectiva perda de influência a nível mundial e também a ascensão dos BRIC, especialmente a Rússia.
Nunca pensei que pudessemos estar na situação em que estamos. Mas a realidade é esta. As opções europeias podem originar consequências graves.
Estamos a atravessar momentos críticos para o futuro da Europa.
O velho continente arrisca-se a ser palco de mais um confronto entre grandes potências.
A resposta americana às exigências russas não caiu bem em Moscovo. Lavrov, utiliza no seu discurso a palavra guerra. Estão milhares de soldados junto à fronteira russa, mas não só. Estão milhares na Bielorrússia, a marinha está quase toda no mar e a aviação a mexer.
140 Russian Navy Warships Drilling Across Europe, Middle East as Ukraine Tensions Simmer
The Russian Navy is kicking off several simultaneous exercises, with ships from the Baltic and Black seas and its Northern Fleet sortieing from their homeports across Europe, the Kremlin has announced.
More than 140 warships and support vessels, along with 60 aircraft and a total of 10,000 personnel, will participate in the drills, according to the Russian MoD...
O ministério da defesa russo tem estado a publicar vários videos no youtube com os vários destacamentos envolvidos. Todas as frotas (Norte, Báltico, Pacífico, Mar Negro e Cáspio) estão a sair para o mar.
Mas não é só a marinha que está activa. Os videos são de todos os ramos das forças armadas.
Aviação estratégica nuclear
A Rússia está a indicar que num eventual conflito, este não vai ser nada parecido com os que temos assistido nas décadas recentes.
Não será como uma Geórgia, nem o que aconteceu na Ucrânia.
E não será como aconteceu no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Líbia.
As capacidades russas são de intervenção planetária, apenas usando armamento convencional. Vamos colocar de lado um conflito nuclear, porque aí será o fim das civilizações.
O que pode a Rússia fazer, sem recorrer a uma única invasão?
Muito.
A nível global, pode:
Interromper o tráfico marítimo. (incluindo fechar o canal do Suez)
Interromper o tráfego aéreo.
Cortar comunicações, interromper a internet.
Ataques cibernéticos.
Abate de satélites GPS.
Corte de cabos marítimos.
Cortar fornecimento energético à Europa e EUA.
Ameaçar países fornecedores da Europa e EUA que podem vender a outros mas não a estes sob pena das suas instalações serem destruídas (Instalações da Arábia Saudita já foram atacadas com sucesso havendo no local sistemas de defesa americano).
Aumentar fornecimento energético à China (actualmente já estão a bater recordes).
Ou seja, introduzir o caos no nosso bom ambiente de vida e começarmos a ver que mesmo sem nos chegar bombas ao nosso telhado, muita coisa vai correr mal e darmos conta do quão frágil é o nosso modo de vida.
Racionamento.
Preços astronómicos para tudo.
Negócios que funcionam por internet ou nas "nuvens" em risco.
Teletrabalho em risco.
Negócios que funcionam com GPS em risco (ubber, glovo, direcções, etc).
Pagamentos online em risco.
Comunicações em risco, ir ao supermercado e não ter o multibanco a funcionar.
Ir ao multibanco e não conseguir levantar dinheiro.
...
Ou seja, conhecermos em 1ª mão, como vive muita gente neste mundo. Muita gente neste mundo não vive, sobrevive sem saber o que vai comer no dia seguinte.
O caos vai estar instalado na Europa. Vozes concordantes e discordantes sobre o facto de a Rússia estar a fazer isto porque a NATO avançou para perto das suas fronteiras, abrindo bases para mísseis nucleares.
A coesão da NATO vai ser colocada em causa. Numa situação tão grave como esta, diria que há grandes probabilidades de desmembramento da organização.
Toda esta situação caótica e ainda não comecei a falar de confrontos militares.
Se a Rússia faz tudo o que mencionei a partir de "casa", isto obrigará a NATO avançar para a Rússia. Não serão os russos a avançar pela Europa dentro (para quê?).
O que tem a Europa ou os EUA, neste momento para avançar em direcção a Moscovo? Quanto tempo demoram para reunir uma força suficiente para pensar em termos ofensivos? Sabendo que os russos estão à espera deles?
E todos os países da NATO vão querer embarcar nessa missão? A Turquia por exemplo quer? a Alemanha? a França? A Grécia? Espanha? Portugal...? Quem vai embarcar numa missão ofensiva em direcção a Moscovo, já que os russos estão a atacar sem sair de casa?
Vão começar num frenesim a tentar construir mais mísseis, aviões, bombas?
E a energia para isto tudo onde está? e os materiais?
Ou estão a pensar em encomendar à China, tal como fizeram com as máscaras e ventiladores, pois nem para isto nem a Europa nem os EUA tiveram capacidade de resposta interna?
E tudo isto porque os EUA e NATO não querem tirar os sistemas nucleares tão perto da Rússia? Algo que passou a ser possível após o abandono dos EUA do tratado INF em 2019?
Alguém está a explicar os cenários possíveis que podem acontecer? Alguém está a perguntar aos europeus se é este o caminho que queremos para nós?
O último dos meus artigos sobre este tema foi em 2015. Penso que está na altura de revisitar o tema.
Foquei bastante o ouro na Rússia e dediquei alguma atenção ao ouro alemão.
Estamos a entrar num mundo multipolar e vamos a ver se conseguimos que a transição seja de alguma forma pacífica. Para já uma coisa é certa. A Rússia começou a colocar em causa a supremacia americana no mundo.
Vamos então espreitar o que se passa com o ouro.
Central banks accelerate shift from dollar to gold worldwide
Central banks around the world are increasing the gold they hold in foreign exchange reserves, bringing the total to a 31-year high in 2021.
Central banks have built up their gold reserves by more than 4,500 tons over the past decade, according to the World Gold Council, the international research organization of the gold industry...
...The value of the dollar against gold has dropped sharply over the last decade as large-scale monetary relaxation has kept boosting the supply of the U.S. currency. Although the U.S. Federal Reserve is starting to tighten its grip on credit, other central banks continue their shift to gold, reflecting global concerns about the dollar-based monetary regime...
Large purchases of gold were limited in the past to the central banks of Russia and some other countries trying to free themselves from reliance on the dollar because of political confrontations with the U.S.
Recently, the central banks of emerging economies, which tend to be exposed to plunges in the value of their currencies, and of Eastern European countries of limited economic scale have been noticeable buyers. Faced with a persistent depreciation of its currency, Kazakhstan has sharply raised the ratio of gold to foreign exchange reserves...
...The presence of the dollar in foreign exchange reserves is falling, in contrast with the growth of gold. In 2020, the currency-by-currency ratio of the dollar fell to the lowest level in a quarter of a century...
...The Fed has made clear it is ending its easy money policy and projected that it will begin raising interest rates in 2022. But the central banks of emerging economies are likely to continue their shift to gold from the dollar...
O que era algo que só estava a ser feito pela Rússia, começou a ser feito por vários países. Paira no ar uma desconfiança crescente sobre o dólar e esta dúvida é algo mortal para a supremacia global dos EUA.
Curioso o facto de que o Cazaquistão também faz parte dos países que tem estado a investir em ouro. Em detrimento de...? não deve ser difícil de adivinhar.
Também no ano passado (em Junho) houve uma evolução interessante, na Rússia claro, sobre o tema.
Russian rainy day fund to get out of all U.S. dollar assets
Russia on Thursday said it would ditch all U.S. dollar assets in its National Wealth Fund(NWF) and increase holdings in euros, Chinese yuan and gold in what analysts said was a political move ahead of a presidential Russia-U.S. summit later this month.
Russia has been gradually reducing its dollar holdings since the imposition of Western sanctions following Moscow’s annexation of Crimea in 2014, and has sought to partially decouple from the Western financial system...
...Russia’s central bank slashed its holdings of U.S. Treasuries in 2018 and cut the dollar share in its gold and forex reserves in 2020 to 21.2% as of Jan. 1, down from 24.5% a year earlier...
A Rússia está a atacar os EUA em várias níveis. E como nós já sabemos, a dívida americana está simplesmente a explodir.
Dívida 2020
Dívida 2021
Como é que uma nação assim consegue manter a supremacia? Como é que com uma dívida explosiva destas, consegue investir tanto na componente militar? Como consegue manter a pressão a nível global?
Não consegue.
E o que estamos a assistir é ao lento agoniar de alguém que tem que descer do trono.
Os EUA estão em declínio e não podem usar as suas armas nucleares, nem avançar com os seus porta-aviões contra uma Rússia, sem morrerem no processo.
Como vai os EUA conseguir manter a coesão da NATO, quando a Rússia desafia directamente esta organização?
A pressão sobre a Polónia aumenta a cada dia que passa. Sem recorrer a acções musculadas onde apenas se assiste a deslocação de forças, a Rússia ataca usando os seus trunfos energéticos.
Está quase a fazer um mês que o pipeline que atravessa o país e que transporta gás russo, não o faz. A Rússia simplesmente não passa gás pelo pipeline há 29 dias.
Yamal gas flows east for 29th day as volume increases
Gas flowed east along the usually westbound Yamal-Europe pipeline for a 29th consecutive day on Tuesday as Polish buyers sought stored gas from Germany instead of buying at currently high spot prices from Russian supplier Gazprom.
“For now, European customers are not looking for more gas from Gazprom, likely due to the elevated gas prices, and are covering demand via gas from storages,” VTB Capital said in a note.
Buyers drew 15.6 billion cubic meters of gas from European storage last month in the fourth largest drawdown since records began a decade ago, VTB Capital noted.
Com esta situação, a Polónia começa a sentir o "calor"...
Poland's PGNiG to cut gas prices for small businesses by 25%
Poland's PGNiG (PGN.WA) will cut gas prices for small businesses by 25% from Friday, state assets minister Jacek Sasin said on Twitter.
Businesses across Poland have reported receiving notifications that their gas bills will be many times higher than in 2021, prompting some of them to close their operations...
Além de estarem a ver o preço a subir exponencialmente, a Rússia coloca mais pressão ao colocar em tribunal a possibilidade de subir ainda mais o preço.
Gazprom hits Poland with fresh arbitration claim
A wholly owned subsidiary of Russian state-controlled gas monopoly Gazprom has filed a claim against Polish oil and gas producer and importer PGNiG at an international arbitration tribunal in Stockholm, Sweden.
The subsidiary, Gazprom Export, said in a statement that it is seeking to revise retroactive price terms of a long-term gas sale and purchase contract — also known as the Yamal contract — that the companies signed in 1996 and which is due to expire on 31 December 2022...
A Europa está a jogar um jogo perigoso, onde está a usar as suas reservas para tentar ter algum poder negocial.
Não tem. E esperemos que Fevereiro não seja frio. Um rigoroso frio.
Russia's Gazprom has no Europe gas exports planned in February via Yamal pipeline
Russian state energy giant Gazprom said on Monday it has not booked any capacity to pump gas to Europe through the Yamal pipeline next month, underscoring a sharp drop-off in Russian exports to the region so far this year.
Gazprom said pipeline exports of Russian gas have tumbled 41% from a year ago so far in January, underlining the impact of a reversal in the Yamal-Europe pipeline, which usually pumps Russian gas into Europe, from Germany to Poland...
Earlier Than Ever, European Gas Storage Is Half-Empty
Gas Infrastructure Europe, an industry association, announced that European gas inventories had dropped below the key 50% mark of total capacity, down to 49.33% as of Jan. 12. It’s the earliest the half-empty mark has ever been reached, beating the previous record by seven days. Typically, Europe’s gas inventories don’t fall to half until about early-to-mid February. During some mild winters, the inventories don’t sink below midpoint until early March...
...Some big energy consumers — like fertilizer companies, glass manufacturers and aluminum and zinc smelters — also shut down production...
A produção industrial europeia está a parar para não gastar mais energia. E não só, porque com os valores actuais do gás, a rondar um aumento de 300%, a indústria não consegue suportar tais valores e manter-se competitiva.
E a indústria europeia começa a dar sinal das desgraças que aí vêm.
Europe’s metals industry calls for release of gas reserves to curb prices
Europe’s metals industry will be hit with another wave of curtailments and closures unless steps are taken to address soaring energy prices, a group that represents some of the region’s biggest producers has warned.
Eurometaux, which counts groups such as Glencore and Rio Tinto as members, wrote to Ursula von der Leyen, European Commission president, on Tuesday to press the EU to consider releasing strategic gas reserves and capping carbon prices to help support smelters.
The financial strain caused by record gas and electricity prices has forced several big metal producers to curb output and mothball plants.
Large industrial consumers such as car manufacturers have been forced to import metal, often with a higher carbon footprint, from the US or China...
A Europa está a parar a sua indústria e recorre à importação de metal dos EUA que possui gás a preços bem mais competitivos e da China que recebe gás russo a preços que a Europa agora apenas pode sonhar em ter.
Penso que estamos a assistir ao início do ataque à Polónia. Com a conclusão do Nord Stream 2 ficou assegurado o abastecimento à Alemanha. O pipeline aguarda certificação alemã, mas este já está cheio de gás e pronto a funcionar. Falta agora a questão política.
O Pipeline Yamal, o que atravessa a Polónia, deixou de passar gás. Há 12 dias que não há gás vindo da Rússia. Curiosamente, o fluxo está invertido e está a ser usado para retirar gás das reservas alemãs e abastecer a Polónia e a Ucrânia.
Ou seja, a Alemanha está a dar tempo para que as negociações entre a Rússia e os EUA prossigam, impedindo uma situação explosiva na Ucrânia. Não há gás para estes, e a Polónia também já não consegue ajudar.
Mas isto tem um preço para a Alemanha. Além de não receber gás por este pipeline, está a retirar das suas reservas. Se o Inverno apertar, a Alemanha não terá reservas e terá que pedir mais gás russo. Só que a Rússia já só dará mais gás via Nord Stream 2. Pela Polónia não vai passar mais. O que significa que não haverá mais gás russo para a Polónia nem a Ucrânia e ambos continuam dependentes deste gás.
A Europa tem neste momento duas situações energéticas. Falta de gás e o preço explosivo do mesmo. É incomportável.
Agora que já estamos nesta situação perigosa, eis que chega o ultimato russo. A Rússia quer garantias por escrito, não quer bases com mísseis ofensivos tão perto e se não for resolvido a bem, eles resolvem militarmente.
Estamos a assistir a uma ameaça directa ao sistema anti-míssil americano colocado na Polónia e na Roménia.
E só vejo possibilidade de recuo. Recuo ou uma guerra. A Rússia tem agora todas as condições de efectuar um ataque convencional com precisão. Mas se chegarmos a este ponto, o problema do gás será apenas um pequeno problema em função da nova realidade europeia.
Mas a coisa não vai ficar por aqui. A UE vai sentir ainda mais na pele. A Rússia prepara-se para começar a desviar o gás destinado para a Europa. Vai começar a ser vendido à China. Vem aí o Power of Siberia 2 e este será alimentado pela mesma zona que fornece gás à Europa.
Os europeus vão ser confrontados com uma nova realidade este ano. E não vai ser agradável. Uma possível guerra na Europa com a Rússia, preços altos de energia e uma situação incomportável na Ucrânia.