Apesar de falar muito sobre estes assuntos, o facto é que nunca registei no blogue algo dedicado aos tratados. Dado que o que se está a passar na Europa é muito maior que a questão ucraniana, vou tentar explicar a minha visão sobre o que está a acontecer, de forma a ter um registo para consulta daqui a uns anos.
Estes são 4 tratados que têm como objectivo evitar uma guerra de dimensões catastróficas, ou seja, têm como objectivo prevenir uma guerra total nuclear.
Problema?
Os tratados têm estado a cair e não estamos a aperceber da gravidade da situação.
Vou falar um pouco sobre o tratado ABM (Anti-Ballistic Missile)
Para se evitar uma corrida maior na produção de armas nucleares, o tratado não permite a criação de sistemas que possam por em causa a capacidade de ataque do inimigo. Imaginando que os EUA criavam um sistema anti-míssil que tenha o potencial de destruir 50% dos ICBM's soviéticos, a URSS em resposta iria produzir mais mísseis para tentar compensar a perda, os EUA por sua vez iria aumentar mais a capacidade de abater estes mísseis, numa expiral sem fim.
Este tratado coloca um travão sobre esta situação, ficando proibido a construção de sistemas anti-mísseis. Ou seja, fica garantido a teoria MAD (Mutual Assured Destruction), em caso de conflito nuclear, todos morrem.
No tratado ficou a possibilidade de cada uma das partes ter um (e apenas um) sistema anti-míssil limitado a 100 mísseis interceptores, podendo proteger um local à escolha.
Os EUA escolheram proteger uma base de ICBM's no Dakota do Norte, a URSS escolheu a proteger a capital, Moscovo.
No caso dos EUA, esta protecção não durou muito tempo, ou seja, não investiram no sistema .
No caso da URSS, a coisa foi levada a sério de forma a proteger a sua capital de um ataque nuclear.
Com a queda da URSS, tudo foi afectado, e a Rússia com uma economia de rastos, tudo se degradou. Ainda assim, o potencial nuclear da Rússia manteve-se.
Os EUA continuaram numa fase ascendente do seu poder, e, a meu ver, achou que não necessitaria mais de manter um tratado com uma potência em decadência e que não conseguiria manter a paridade, podendo agora investir num sistema anti-míssil que anulasse a capacidade nuclear russa. A Rússia na passagem do milénio estava em sérios problemas económicos e com o FMI a ditar as regras enquanto não pagassem o empréstimo.
Em finais de 2001, os EUA anunciam que vão abandonar o tratado, ficando efectiva a sua saída a 13 de Junho de 2002, decisão tomada por George W. Bush .
Em 2002, enquanto se prepara para abandonar o tratado, os EUA criam o Missile Defense Agency que é quem vai lidar com as novas armas que vão poder criar assim que abandonarem o tratado.
Considero esta decisão dos EUA uma das mais graves tomadas. A partir daqui temos uma nova corrida ao armamento nuclear. Que na altura não se julgava possível, dado a fraqueza da Rússia, mas a entrada de Putin veio mudar tudo.
Para agravar a situação, a nova doutrina para o espaço que Bush lançou em 2006 era de tal modo agressiva que ditou os planos de resposta da Rússia até aos dias de hoje.
In August 2006, President George W. Bush issued a controversial policy directive that asserted a right for the United States to defend its national interests in space, to exclude any state the United States views as an immediate or potential threat, and implied a right to create a strong military presence. The 2006 space policy directive authorized the United States to unilaterally determine which nations should be barred from space, for what reasons, and when.
Também por esta altura já havia conversações para colocar bases avançadas antí-míssil no continente europeu, ou seja, mais perto da Rússia, a Polónia era um dos locais. Em 2008, ano do conflito da Geórgia, a decisão foi tomada. A Polónia iria fazer parte do sistema anti-míssil americano. Para a Rússia o perigo era ainda maior. O risco de intercepção na fase inicial do míssil é maior do que na sua fase final, onde as velocidades são incomparavelmente maiores.
Todas estas acções por parte dos EUA, extremamente agressivas, ditaram a estratégia da Rússia até aos dias de hoje. Á medida que a economia foi melhorando, o arsenal nuclear da Rússia foi modernizado, novas armas apareceram incluindo a capacidade de atacar no espaço.
Os EUA e a Rússia entraram numa nova corrida ao armamento nuclear e o ponto de partida foi o abandono do tratado ABM.
Actualmente a Rússia indica que tem armamento capaz de abater satélites e de anular o sistema anti-míssil criado pelos os EUA, recorrendo às novas ogivas hipersónicas e manobráveis.
Além disso a Rússia está a proteger o seu país com as suas novas soluções antí-míssil que promete anular uma boa parte do arsenal americano.
Sem o tratado ABM não há limites para a criação de sistemas anti-mísseis. E a Rússia mudou radicalmente o panorama em resposta às decisões tomadas há 20 anos atrás.
A Rússia de hoje, assinala que está preparada inclusive, para uma escalada nuclear com os EUA.
Embora exista muito mais a dizer, este é apenas um pequeno registo (aconselho a aprofundar mais estes assuntos), sobre um tratado, e que acho importante referir porque tem relação com o que estamos a viver hoje. Que como sempre digo, esta guerra é muito maior que a questão ucraniana.
A ver se faço um registo para cada um destes tratados, para mostrar a minha visão do que está a acontecer e do que poderá a vir acontecer.
Bom artigo.
ResponderEliminarPenso que fica a faltar a referência ao sistema Perimetro ou mais conhecido como "Dead Hand", e que serviu (e ainda serve) como suporte ao MAD.
Embora fique com a ideia, dada a retórica da media e a escalada que se vê hoje em dia, que já pouca gente se lembre ou tenha conhecimento deste sistema Russo.
https://en.wikipedia.org/wiki/Dead_Hand
Este sistema foi confirmado em 2011 como estando operacional por militares russos...
Há de facto muito mais a dizer sobre o que existe para evitar (ou não) um conflito nuclear.
EliminarAcho que a percepção mais errada que existe sobre o tema nuclear é o facto de se pensar que as armas nucleares não são para serem usadas.
Pelos investimentos avultados que foram (e estão a ser feitos) para o conflito nuclear, a questão está em aberto.
E esta questão dos tratados, mostra realmente isto e daí querer alertar para o tema. Estão em curso mudanças mais ou menos subtis nas duas últimas décadas que indicam a preparação para um eventual conflito desta natureza.
ResponderEliminarGermany only has 20,000 high explosive artillery shells left - report
Germany's armed forces only have around 20,000 high explosive artillery shells left, magazine Der Spiegel wrote on Monday citing confidential defence ministry papers prepared to convince the budget committee of the need for urgent purchases.
Countries like Germany have rushed to send supplies of 155m artillery rounds used by howitzers to Ukraine in the wake of its invasion by Russia in February 2022, running down stocks for their own defence.
https://www.reuters.com/world/europe/germany-only-has-20000-high-explosive-artillery-shells-left-report-2023-06-19/
Ou seja, a Rússia já não está apenas na desmilitarização da Ucrânia...
Estes artigos ficam para memória futura , obrigado .
ResponderEliminarO problema da falta de munições e armas é o resultado da deslocalização industrial da Europa para outros continentes .Não sabendo agora se a capacidade industrial de produzir as mesmas é real ou virtual . Algo que não aconteceu com a Rússia ! Outro factor muito importante são as mentes que criam , que desenvolvem , segundo um estudo apesar dos E.U.A. terem duas vezes mais população do que a Rússia apenas 7% dos estudantes dominam profissões de engenharia, enquanto na Rússia são 25% , a União soviética também tinha coisas boas !
Os Estados Unidos preenchem esse vazio com estudantes estrangeiros, principalmente indianos e chineses só que esse recurso a longo prazo pode trazer consequências desastrosas e parece estar a diminuir .
Na Europa está acontecer o mesmo o ensino superior tornou-se uma fraude , vamos pagar caro todo este facilitismo etc.
Na Europa está acontecer o mesmo o ensino superior tornou-se uma fraude , vamos pagar caro todo este facilitismo etc.
EliminarAté nisto a Rússia está a tomar outro rumo.
A Rússia está a abandonar o processo de Bolonha. Por achar tempo insuficiente para certas àreas especializadas.
A caminho de uma europa federalizada (um só governo)? Ou uma voz dissonante?
ResponderEliminarEuropa precisa de defesa aérea própria para evitar dependência dos EUA, diz Macron
"Emmanuel Macron apelou, esta segunda-feira, aos países europeus para procurarem ter mais independência na defesa do espaço aéreo, de forma a evitar a excessiva ligação aos EUA."
Interrogo-me porque Macron disse isso.
EliminarSe faz sentido? há muitos anos que faz sentido.
E não é só na questão da defesa aérea própria. É na Defesa. Como um todo.
Mas suspeito que é apenas na necessidade mais premente. Vender. Vender material francês.
Também faz sentido, afinal é produção europeia, mas o pensamento deveria ir mais longe...
ResponderEliminarErdogan culpa Ocidente pelo naufrágio que matou centenas de pessoas
Rejeitamos o discurso de ódio contra os refugiados, a hostilidade aos muçulmanos, a xenofobia e a ideologia neonazi que se enraizou nos países ocidentais..
O Presidente turco disse que os ocidentais "não reconhecem ninguém fora da sua própria raça, cultura e credo" e representam uma ameaça para o futuro da humanidade...
https://www.msn.com/pt-pt/noticias/ultimas/erdogan-culpa-ocidente-pelo-naufr%C3%A1gio-que-matou-centenas-de-pessoas/ar-AA1cNfys?ocid=emmx&cvid=b70628a4d2ab42da8193fc5d23aa9a25&ei=33
Existe aqui um enorme potencial de reviravolta.
Interrogo-me se Erdogan equaciona a sua permanência na NATO.
E quanto à Síria...
Suspeito que vem aí algumas surpresas...
A visita de Blinken à China teve como objectivo melhorar as relações tensas entre os dois países ou a possibilidade dos E.U.A darem algo (Podia ser Taiwan !)em troca do não envolvimento da China caso a Nato entre em guerra com a Rússia ?Após os últimos desenvolvimentos em que a Rússia diz que pode bombardear centros decisão em Kiev se a Crimeia for atacada (Mensagem muito forte , os serviços secretos devem ter alguma informação .). Parece-me haver relação entre a visita e a mensagem , acresce que a contra- ofensiva não está a correr bem !
ResponderEliminarP.s . Existe uma memória histórica que momentaneamente parece submersa mas rápidamente emerge entre os dois países , para todos os efeitos os turcos são inimigos figadais dos russos , são séculos de História !
A visita de Blinken à China teve como objectivo melhorar as relações tensas...
EliminarAs desastrosas declarações de Biden, após visita de Blinken, anulou qualquer coisa (e a meu ver muito pouco) que tenha saído de positivo na visita.
Quanto aos turcos, existe uma relação de força.
Aquele abate do caça russo pelas costas e a resposta russa mostrou bem que a Turquia tem muito a perder no jogo.
De tal forma que hoje compra armas russas, centrais nucleares russas, gás russo, etc, etc.
"Russia is prepared for NATO to continue to fight in Ukraine, Russian Foreign Minister Sergey Lavrov said on Tuesday."
ResponderEliminarLendo nas entrelinhas a Nato não vai abrir a mão da Ucrânia , a minha interpretação dos acontecimentos não está fora da realidade !
Isto só termina quando o recrutamento na Europa se iniciar nessa altura a opinião publica manifestar-se-á contra .
Outra maneira possivel de terminar, é a economia europeia cair primeiro...os russos têm tempo...só precisam de esperar...nós não.
ResponderEliminartalvez por isso é que andamos a espicaça-los tanto...
Sim, o factor tempo é uma das vantagens da Rússia.
EliminarNós vamos continuar em lume brando, e agora que se começa a constatar que a contraofensiva não está a correr como muitos queriam, vai haver mais dilemas.
É preciso ainda mais dinheiro, armas e munições, para não pensar em homens.
Já deve haver muito político europeu a começar a ficar inquieto na cadeira pelas opções que tomou.