sábado, 18 de fevereiro de 2023

França: Uma Questão Nuclear

 




Vou falar mais um pouco sobre a questão da energia nuclear, dando continuidade ao post anterior (Rússia: Uma Questão Nuclear), agora vou focar-me um pouco mais sobre a Europa, mais concretamente a França.

Todos nós estamos decertamente recordados sobre as duras críticas feitas á Alemanha pelas suas opções energéticas que contribuiram para uma maior dependência russa, principalmente no gás. A Alemanha foi severamente criticada pelo abandono da energia nuclear e sempre foi dado como referência o exemplo da França, que sempre apostou na energia nuclear.

70% da electricidade gerada em França vem das suas centrais nucleares. No ano passado muito foi falado acerca da França estar muito mais bem preparada para enfrentar o corte da energia russa, porque depende muito menos desta. Neste ano de guerra, deu para comprovar o quanto podemos contar com a energia nuclear francesa de forma a colmatar a energia russa que não queriamos consumir.

E a França passou no teste?

Bom...

Não.

A maior potência nuclear da Europa, no momento em que mais se precisava dela ficou assim:

French power giant EDF posts record loss



France's electricity company EDF has posted a record single-year loss of €17.9 billion. Major repairs to the country's nuclear plants, plus Russia's invasion of Ukraine combined to create the disastrous figures.

... The largely state-owned French power producer EDF reported a record net loss of €17.9 billion (roughly $19 billion) for 2022 on Friday. The loss pushed the company's overall debts up to €64.5 billion

The dire 2022 performance was caused by a combination of an unprecedented number of outages at its reactors in France, one of the world's most nuclear-dependent countries, and the French government's cap on electricity prices as market prices soared as a result of Russia's invasion of Ukraine...

... For the first time since 1980, France became a net importer of electricity in 2022, during the year when prices in Europe spiked to never-before-seen levels amid Russia's invasion of Ukraine and restrictions on imports of Russian gas and oil and coal. 

A summer drought also led to further reductions in nuclear power output, with too little water available for cooling at some French reactors

The final factor was President Emmanuel Macron's swift move to cap energy prices. In some cases, this left EDF buying in electricity at roughly double the price it was then obliged to charge when selling the power on to other French providers...

Bem, diria que a França falhou e à grande no teste do algodão. E é a França a potência nuclear da Europa.

Quando foi preciso a sério e produzir tanto quanto conseguissem para diminuir o impacto da falta da energia russa, a França falhou e de forma desastrosa.

A coisa foi de tal maneira feia, que a França teve que importar electricidade, coisa que não acontecia há mais de 40 anos.

E depois temos a questão curiosa de que estão todos os governos europeus a fazer. A tentar disfarçar a verdadeira factura da energia aos contribuintes. Não queremos que as pessoas percebam da verdadeira gravidade das opções que se tomaram para apoiar a Ucrânia. Só que vamos ter que pagar. Mais tarde ou mais cedo. E não vai ser bonito.

Então e porque falhou?

Suspeito que uma das principais causas para isto ter acontecido é o envelhecimento das centrais, que começam a acusar a idade e não se pode "puxar" por elas para além dos limites recomendados para a idade...


A idade média dos reactores em 2021, está acima dos 36 anos. Os reactores mais novos, têm no mínimo para cima de 20 anos e os mais velhos a rondar os 50 anos.

Isto mostra uma tendência. Não tem havido investimento significativo para que se construa novas, à medida que as mais velhas vão tendo necessidade de serem desactivadas. E este problema não é só de França.


Os ingleses, têm o mesmo panorama. A idade média aproxima-se dos 40 anos, tendo um reactor na casa dos 20 anos. Também estes não têm investido de forma empenhada.

E se olharmos para os americanos...

A média ronda os 40 anos. E já têm algumas com mais de 50 anos. Nos últimos 30 anos, construiram 3, tendo apenas uma delas menos de uma década de existência.

Diria que no Ocidente, o pessoal técnico especializado e que sabe projectar e construir centrais nucleares está a desaparecer. Será mais difícil e mais caro construir novas.




Agora é espreitar, na quantidade e na média de idade dos reactores que estão na China. A China tem tantos reactores como a França mas novos.

E podemos constar no próximo gráfico quem tem estado a investir e quem tem estado a desinvestir.



Japão -38, EUA -12, Ingleses -4, Franceses -2

E que países têm adicionado mais reactores aos seus arsenais?

China +42(!)
Rússia +5

A China está a apostar fortemente, pelo colosso de país que é. A este ritmo de crescimento e ao ritmo do declínio americano, em breve estes serão ultrapassados pelos chineses.

A Rússia, que como toda a gente sabe está em declínio económico constante desde que se conhece como país, teve a capacidade de construir (e continua a construir) ao seu ritmo. Demonstra capacidade e conhecimento. E como disse no post anterior, tornou-se no maior construtor de centrais nucleares do mundo. Dominando todo o ciclo da existência de uma central nuclear.

E o seu panorama é de crescimento como se pode ver pelo gráfico.


A média de idade dos seus reactores anda na casa dos 30 anos. No entanto têm estado muito activos na ultima década.

Mais uma vez se confirma que é um pobre país que apenas vende gás e petróleo. O resto, centrais nucleares, mísseis hipersónicos, naves espaciais, aviões de 5ª geração, etc, etc, é tudo fake news.

E então com os russos a morrerem todos em vagas suicidas nos terrenos ucranianos, é de todo impossível pensar que possam fazer o quer que seja.

Isto de acordo com a nossa imprensa, os nossos "especialistas", os nossos políticos.

A realidade, bem, a realidade é ligeiramente diferente.

Como podemos constatar pelos dados da Rosatom, a empresa nuclear russa. Sim, porque se os franceses com a EDF levaram um rombo de todo o tamanho, os dados da Rosatom serão certamente Épicos.

Ou talvez não...


Russia’s Grip on Nuclear-Power Trade Is Only Getting Stronger

New data show exports in the strategic industry jumped more than 20% last year, as long-term projects boost Russian influence.

Russia’s nuclear exports have surged since the invasion of Ukraine, boosting the Kremlin’s revenue and cementing its influence over a new generation of global buyers, as the US and its allies shy away from sanctioning the industry.

Exclusive trade data compiled by the UK’s Royal United Services Institute show that Russian nuclear fuel and technology sales abroad rose more than 20% in 2022. Purchases by European Union members climbed to the highest in three years. From Egypt and Iran to China and India, business is booming...


...Rosatom provides about one-fifth of the enriched uranium needed for the 92 reactors in the US. In Europe, utilities that generate power for 100 million people rely on the company...


...The figures show NATO members including Bulgaria, the Czech Republic, Hungary and Slovakia continued to purchase Rosatom fuel last year, amid Ukrainian pleas to shut down the trade after Russia hijacked Europe’s biggest power plant...

... Even in Ukraine, though, nine reactors still under Kyiv’s control rely on stockpiled Russian fuel...

... Hungary is providing aid for two new reactors that were awarded to Rosatom without public tender. Russia is covering 80% of the cost with a 10 billion euro loan. By the time construction is completed next decade, the project will be one of eastern Europe’s biggest foreign investments...

... Rosatom chief Alexey Likhachev said this month that the company is in talks with about 10 countries on new projects, and three or four are close to signing inter-government deals.  In all the countries where Rosatom is already building nuclear plants, “everything is on track,” he said...

Isto só pode ser propaganda. Fake news.

A Rússia enfiou-se numa guerra onde "toda" a gente sabe que vai perder. 

É impossível terem um crescimento de 20% em algo que "toda" a gente sabe que eles não têm capacidade, a construção de centrais nucleares...

Mas para quem está mais ciente das verdadeiras capacidades do país, pode agora encontrar uma explicação porque é que em 10 pacotes de sanções desde que a guerra começou, o sector nuclear nunca é tocado.

Até o espaço aéreo europeu está aberto para os aviões russos especiais que transportam combustivel nuclear para as centrais europeias.

Sim, foi contra a Rússia que decidimos todos nós (ou alguns em nome de nós todos) ir para a guerra.

Um dia as pessoas vão descobrir que foram enganadas. Pela imprensa, pelos "especialistas", pelos políticos.

E a coisa não vai ser bonita.

4 comentários:

  1. India's Russian imports soar 400% as U.S. offers little resistance

    India appears to be pulling off a diplomatic high-wire act between Washington and Moscow as Commerce Ministry data shows imports from Russia have surged nearly 400% so far this fiscal year...


    https://asia.nikkei.com/Economy/Trade/India-s-Russian-imports-soar-400-as-U.S.-offers-little-resistance

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  2. Ukraine war ‘over’ unless EU boosts military support, says top diplomat

    The war with Ukraine will be over unless the EU finds a way in weeks to speed up the provision of ammunition to Ukraine, Josep Borrell, the EU foreign affairs chief, warned on the final day of the Munich security conference...

    ... “We are in urgent war mode,” he said. “This shortage of ammunition has to be solved quickly; it is a matter of weeks.” He said if it was not the war would be over...


    https://www.theguardian.com/world/2023/feb/19/ukraine-war-over-unless-eu-boosts-military-support-says-top-diplomat

    Parece que algo não anda a correr bem.

    Estranho, quem diria...

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  3. Por falar em nuclear:
    "DW
    Fragata russa com mísseis hipersónicos inicia manobras navais ao largo da África do Sul"
    Lusa

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    1. Sim.

      E está lá com embarcações chinesas.

      Estou deveras curioso se vai ficar "estacionada" no Mediterrâneo, após conclusão dos exercícios.

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