Vou dar continuidade a este tema, dado que faz parte (a meu ver) da questão principal e que move os russos de uma forma mais agressiva. Na perspectiva deles, a questão tem que ser resolvida. A bem ou a mal, com todas as implicações associadas.
Já o devia ter feito há muito tempo, mas como tantos outros assuntos que também queria deixar registado, o tempo que dedico ao blogue não é suficiente.
O Open Skies é um acordo relativamente recente, apesar de haver ideias de o implementar nos tempos da URSS. Mas só quando esta acabou é que o acordo foi assinado, em 1992. Já estavamos na era da Rússia.
E em que consiste este tratado?
Este tratado permitia aos países signatários conduzir voos de reconhecimento nos territórios de outros, com um curto espaço de pré-aviso, numa zona qualquer à sua escolha. Este voos eram realizados com equipamentos e aviões especiais preparados para o efeito. Um dos grandes objectivos deste tratado era fomentar a confiança e transparência entre potências.
Só em 2002, já com Putin aos comandos da nação é que o tratado entrou em vigor, com 35 países participantes.
Os aviões e o equipamento teriam que ser aprovados e certificados para poderem ser usados nestas missões de recolha de informação em território "inimigo".
Curiosamente podemos ver os tempos complicados em 2002, quando a Rússia estava com sérios problemas económicos e com o FMI a actuar no país, pelos aviões adaptados para o efeito.
Process: An observing state-party must provide at least 72 hours' advance notice before arriving in the host country to conduct an overflight. The host country has 24 hours to acknowledge the request and to inform the observing party if it may use its own observation plane or if it must use a plane supplied by the host. At least 24 hours before the start of the flight, the observing party will supply its flight plan, which the host has four hours to review. The host may only request changes in flight plans for flight safety or logistical reasons. If it does so, the two states-parties have a total of eight hours after submission of the original flight plan to agree on changes, if they fail, the flight can be cancelled. The observation mission must be completed within 96 hours of the observing party's arrival unless otherwise agreed.3
Although state-parties are allowed to overfly all of a member’s territory, the treaty determines specific points of entry and exit and refueling airfields. The treaty also establishes ground resolution thresholds for the onboard still and video cameras. The aircraft and its sensors must undergo a certification procedure before being allowed to be used for Open Skies in order to confirm that they do not exceed the allowed resolutions.
Aircraft: The treaty lays out standards for aircraft used for observation flights. Aircraft may be equipped with four types of sensors: optical panoramic and framing cameras, video cameras with real-time display, infra-red line-scanning devices, and sideways-looking synthetic aperture radar. For the first three full years after the treaty entered into force, the observation aircraft had to be equipped with at least a single panoramic camera or a pair of optical framing cameras. The states-parties may now agree on outfitting the observation planes with additional sensors.
Data: A copy of all data collected will be supplied to the host country. All states-parties will receive a mission report and have the option of purchasing the data collected by the observing state-party.
A Rússia conduziu o seu primeiro voo de observação em Agosto de 2002 e os Estados Unidos em Dezembro de 2002. Ao todo, enquanto o tratado esteve em vigor mais de 1500 voos foram efectuados.
Alguns desses voos foram efectuados em Portugal.
Notícia de 2015:
Avião militar russo sobrevoa Portugal até 7 de março
Um avião militar russo vai sobrevoar Portugal e Espanha até 07 de março durante vários "voos de observação" ao abrigo do Tratado Internacional de Céu Aberto, confirmou domingo à agência Lusa o Estado Maior General das Forças Armadas (EMGFA).
Segundo o porta-voz do EMGFA, o Antonov-30B vai aterrar hoje no Aeródromo de Trânsito n.º 1, também conhecido como Aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, estando previsto regressar à Rússia no sábado, 07 de março.
"Estes voos de observação visam garantir a transparência e aumentar a segurança entre os países que assinaram este tratado. À exceção do ano passado, estas missões têm decorrido com regularidade e são sempre acompanhadas a bordo por militares portugueses. Como subscritor deste tratado, Portugal também pode realizar estas missões noutros países", explicou o tenente-coronel Ramos Silva.
Até sábado, o Antonov vai realizar voos de observação em território nacional e espanhol.
Tem como pormenor que no ano de 2014, o ano em que a situação da Ucrânia descarrilou, aparenta não ter havido voos.
Notícia de 2019:
Avião militar russo sobrevoou Portugal e fotografou áreas estratégicas
Um avião militar russo sobrevoou Portugal continental e o arquipélago dos Açores, durante esta semana, para fotografar áreas estratégicas.
A aeronave – um Tupolev 154, de fabrico soviético – chegou a Lisboa na segunda-feira e regressa à Rússia esta sexta-feira, confirmou à Renascença o Estado-Maior-General das Forças Armadas.
De acordo com a mesma fonte, Portugal tem uma “quota passiva” – pode receber dois voos por ano, sendo que cada país não pode gastar mais de 50% da quota – e uma “quota ativa” de um voo por ano, que pode exercer sobre a Bielorrússia, a Federação Russa, a Ucrânia, a Bósnia-Herzegovina e a Geórgia, todos Estados que não pertencem à NATO.
Neste voo de 2019, podemos reparar numa coisa, o avião russo para o tratado não é o An-30, mas um TU-154.
A Rússia estava a operar dois modelos e quando a sua economia começou a melhorar, também investiu nos aviões a usar neste tratado. O novo avião que queriam usar, encontrou resistência pelos EUA. Os americanos estavam desconfiados das capacidades deste novo avião e da sua nova electrónica, que ao que sei, era completamente russa.
Os novos aviões Tu-214ON para o tratado, foram em 2018 recusados pela Administração Trump. Não poderiam ser usados para o tratado.
Mas já estavamos em 2018. Muita coisa se passou (guerra da Geórgia, Ucrânia, Síria...), desde o momento em que o tratado entrou em vigor. Russos e americanos já olhavam desconfiados um para o outro.
Ainda assim, o novo avião acabou por ser certificado dias depois. Mas o processo já estava inquinado. O tratado estava em perigo.
U.S. Reverses Course on Open Skies Treaty
Days after refusing to certify a Russian aircraft for flights under the Open Skies Treaty, the Trump administration reversed course and agreed to approve the plane.
Initially, the United States, without explanation, declined on Sept. 11 to sign a document confirming the treaty compliance of the Russian TU-214 aircraft, which carries an upgraded digital electro-optical camera that had been approved in 2016 for use on two other Russian aircraft for treaty flights.
The United States cast the only dissenting vote among the 23 countries that took part in the certification. Under the treaty, certification of new aircraft requires unanimous member-state consent.
“In breach of the Open Skies Treaty provisions, the head of the U.S. delegation refused to sign the final document, without giving any explanations or reasons, and citing direct instructions from Washington,” Sergei Ryzhkov, the chief of Russia’s Nuclear Risk Reduction Center, said on Sept. 12 according to the Tass news agency...
Dois anos depois, em Novembro de 2020, a adminstração Trump decide sair do tratado, alegando violações russas.
Em Janeiro de 2021, a Rússia anuncia que também irá abandonar o tratado.
Joe Biden, o novo presidente, em Maio diz que vai manter a decisão de Trump, apesar de na altura ser contra a saída do tratado.
A Rússia acaba por abandonar oficialmente em Junho de 2021.
Poucos meses depois, o Nord Stream 2 estava concluído apesar de tudo o que os americanos fizeram para o atrasar ou impedir a sua concretização.
E mais uns meses depois, o ultimato russo surgiu.
A importância deste tratado era essencialmente mostrar que se estava de boa fé ao outro lado, permitindo que se realizassem inspecções.
A meu ver, este tratado deixou de fazer sentido com os avanços dos EUA na Europa e o seu sistema anti-míssil cada vez mais perto da Rússia e todos os planos obscuros em redor dele.
Este tratado permitia à Rússia observar certas bases cada vez mais importantes no continente europeu para um certo tipo de estratégia.
O seu abandono por parte dos EUA indica à Rússia que o tratado é algo que não interessa (ou deixou de interessar) aos americanos.
A questão da confiança e transparência é algo do passado.
A Rússia e EUA olham desconfiados um para o outro novamente e um dos grandes prejudicados é a Europa. Afinal é no seu território que se movem as peças de xadrez.
E assim caiu mais um tratado que nos protegia de um holocausto nuclear.
P.S. Não esquecer que há muito mais a dizer sobre este tema e muitas ramificações em redor dos tratados. Isto pretende ser apenas uma visão superficial e pessoal com a minha interpretação do que está a acontecer. Deve ser consultado mais informação sobre os mesmos e tirarem as suas próprias conclusões.
P.S.2 Wagner
Muito se está a ser falar sobre este assunto. Deixo aqui a minha opinião.
A Wagner é um exército paramilitar que serve os interesses da Rússia. Os seus mercenários são essencialmente militares russos, muitos vindos de forças especiais.
Tem funções ou objectivos que não podem ser concretizados pelo exército russo.
O exército russo não pode andar a operar por África, como a Wagner faz.
O exército russo não é a melhor opção para lidar com formações neonazis como o batalhão Azov. A Wagner ou os homens de Kadyrov são os indicados para este tipo de "trabalho".
Combate urbano feroz e onde certas regras não são aplicadas. Homens que são apanhados com suásticas, não são para serem tratados como prisioneiros de guerra.
Para mim, estamos a falar de soldados russos, que sabem pelo o que estão a lutar e que receberam mais uma missão. Qual foi exactamente essa missão não sei. Embora tenha como teoria de que se esteve a agitar as águas para ver o que aparecia. Se funcionou ou não não sei.
Mas acredito que a Wagner não vai desaparecer, quanto muito mude de nome. A estrutura continua a ser necessária.
Pouco mais há a dizer. A guerra continua, para o mês que vem há a cimeira com África e a seguir a do BRICS.
Post anterior sobre o assunto: