domingo, 22 de maio de 2016

Sines: Gás Americano Vs Gás Russo



A chegada de um navio em finais de Abril com gás natural liquefeito americano a Sines, gerou várias notícias sobre o assunto. 

Principalmente dois temas foram focadas neste notícia. O facto de a Europa ter recebido o primeiro carregamento vindo dos EUA e a questão da diminuição da dependência do gás russo, visto como um passo importante nesse sentido.

Creole Spirit


Gás de xisto norte-americano chega a Portugal


Pouco mais de uma semana depois de partir dos EUA, o Creole Spirit chega a Sines. O navio transporta o equivalente a uma semana do consumo doméstico nacional. Portugal é o primeiro país europeu a comprar gás de xisto dos EUA...


No jornal público saiu um artigo de opinião redigido pelo o embaixador americano que fala sobre o assunto, de onde retiro alguns excertos:

Energia para os nossos aliados atlânticos, começando por Portugal

A 27 de Abril, entrou no cais do porto de Sines um petroleiro com 295 metros de comprimento, chamado Creole Spirit, com um carregamento de gás natural liquefeito (GNL)...

...a entrega do Creole Spirit foi histórica, pois foi a primeira exportação de GNL dos EUA para a Europa. Por que é que isto é tão importante para a política global de energia?Passo a explicar.

Quando cheguei a Portugal, em Abril de 2014, recordo-me de ter lido um artigo de opinião no Wall Street Journal da autoria do então Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães. O título era ousado: “Send a Message to Putin with a Trans-Atlantic Energy Pact”. À data em que foi publicado, a Rússia tinha acabado de violar o direito internacional e anexado a Crimeia. Apesar dos protestos de líderes dos EUA e da União Europeia, o Presidente Putin utilizava cada vez mais a energia como instrumento político para intimidar os países da Europa de Leste, dependentes da importação...

...A mensagem de Portugal para os Estados Unidos era clara: a Europa precisava de energia norte-americana e Portugal poderia ser a porta de entrada para o resto da Europa...

Até ao início deste ano, a maior parte do gás natural dos EUA estava concentrado no mercado interno...

...Na verdade, foi apenas em Dezembro passado que o primeiro terminal de GNL nos EUA continental começou verdadeiramente a desenvolver as suas operações...


...E não é somente para a Europa que os EUA estão a exportar GNL. O primeiro carregamento de GNL a partir do continente norte-americano, no passado mês de Fevereiro, destinou-se à América do Sul...


Não vou focar a componente estratégica que Sines representa para Portugal. Eu sempre achei e continuo a achar que Sines tem um potencial enorme para os interesses portugueses e pode constituir um ponto de entrada com muita importância para a Europa. Eu tenho vindo a assistir ao longos dos anos os investimentos feitos em Sines, e só posso concordar com a estratégia desenvolvida.

O que quero focar é a questão do impacto da entrada  do gás americano na Europa e se é com a entrada deste fornecedor que a Europa vai de facto diminuir a sua dependência da Rússia.

E não me parece.

A própria escolha de Portugal, um país que não consome gás russo, já indica que a coisa não é como a mensagem que quer passar. Com vários países dependentes de gás russo e uns tantos são hostis à Rússia, fica muito estranho escolherem Portugal. Um país que nem pode passar essa energia para a restante Europa. O melhor que posso dizer é que é o país europeu mais perto para entrega do gás.

Países europeus importadores de gás russo. Portugal
não consome gás russo.

Na perspectiva portuguesa podemos considerar que sim para os nossos interesses a diversificação é um facto e podemos receber energia de quem quer que seja.

Portugal recebe gás maioritariamente da Nigéria e Argélia. E as coisas não têm andado bem com vários países produtores de energia. No caso da Argélia, que estando encostado à Líbia, tudo pode acontecer nos próximos tempos.

Portanto o gás americano ameaça sim estes produtores, que possuem bons contractos com países europeus, mas a estabilidade política nos mesmos, obriga a países como Portugal a procurar alternativas.

Quanto à Rússia...

O caso pia mais fino. A Rússia é dos maiores produtores energéticos mundiais e o maior fornecedor da Europa. E enquanto a Europa anda há anos a gritar por diversificação e pouco faz por isso, a Rússia de facto está a investir fortemente na diversificação da sua carteira de clientes.

A Rússia tem uma formidável rede de pipelines em direcção à Europa, onde ainda acrescentou o Nord Stream e possivelmente teremos no futuro o South Stream, porque eu considero que este pipeline mais tarde ou mais cedo, ele irá aparecer de novo.

Mas os pipelines não são flexíveis, e são muito dependentes de jogos políticos. Como tal a Rússia começou também a investir no gás natural líquido.

E enquanto a chegada do navio com gás americano foi amplamente anunciado por esse mundo fora, poucos dias depois um navio russo com gás russo entrou no Mediterrâneo para entregar ao Egipto.

Russian Rosneft Marks Operational First With LNG Delivery To Egypt

Rosneft Trading SA, a subsidiary of Russian state-owned Rosneft Group, delivered its first LNG cargo to the port of Ain Sukhna in Egypt, as part of a contract with Egyptian Natural Gas Holding Company, marking its first-ever LNG delivery.

GOLAR ICE

The delivery of the cargo was made by the GOLAR ICE tanker to the Ain Sukhna port, in the Suez province, in accordance with an August 2015 agreement...

Ou seja, Portugal tanto poderia ter recebido gás americano, como gás russo. 

Ou seja, a Rússia prepara-se para fornecer o seu gás a qualquer país europeu, onde os seus pipelines não chegam, como o caso de Portugal e Espanha, ameaçando todos os outros fornecedores concorrentes.

E a aposta, é uma aposta séria. Basta ver nos investimentos que estão a fazer neste sentido, apesar das sanções, situação económica adversa, etc.


Infraestruturas de GNL nos Estados Unidos


Infraestruturas de GNL na Rússia

Ou seja, a Rússia está a apostar forte neste segmento de mercado, o que é mau para os concorrentes já existentes e é pior para novos concorrentes como os EUA. Os EUA já estão a assistir a uma série de falências, e já não bastava a entrada do Irão no mercado, como vão ter que lutar agora com a entrada também da Rússia.

A Rússia prepara-se para "atacar" qualquer parte do mundo, com o seu gás. Ou seja, vai deixar de estar dependente de pipelines com destinos fixos, para poder vender a quem quer que tenha um terminal capaz de receber gás líquido como o caso de Portugal.


Rotas pelo o Ártico

A Rússia para poder escoar o seu gás, vai usar rotas em mares gelados e para isso tem estado a encomendar navios específicos para a tarefa, num total de 15 encomendados.


The Yamal LNG project has involved the construction of an LNG plant with a capacity of 16.5 million tonnes per year at the resource base of the Yuzhno-Tambeiskoe field, and creation of a corresponding unique transport and technological infrastructure for the year-round export of LNG to consumers. The LNG plant and export terminal were planned to be completed in 2017.

In order to ensure safe year-round shipping of gas to the markets of the Asia-Pacific region and Western Europe, the operator of the Yamal LNG project plans to use a fleet of 15 LNG carriers, each with a cargo capacity of 172,600 cubic metres and with Arctic ice class (Arc 7). The time schedule for bringing the LNG plant to full operational capacity foresees the delivery of new vessels, from 2016 until 2020.


Portanto a partir deste ano, vão começar as entregas e podemos confirmar o avanço da coisa:

SCF Yamal launched

The first Arc7 ice-class LNG carrier, SCF Yamal, was launched last week at the Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering (DSME) shipyard in South Korea.



The 172,600-cbm vessel, which was ordered by Russia’s Sovcomflot to serve the Novatek-operated Yamal LNG project, will be the world’s first LNG carrier that can navigate through ice, according to DSME.

The vessel is one of fifteen ice-class LNG newbuildings contracted to serve the giant Yamal LNG project in the Russian Arctic.

Sovcomflot, MOL, Teekay and Dynagas have one, three, six and five vessels respectively, and all vessels are scheduled for delivery over the next four years.


A Rússia prepara-se para entrar no mercado do gás natural líquido em força e vai poder chegar a todos os clientes, Portugal incluído.

Os EUA que só agora começaram a exportar, além de sentirem a pressão dos produtores existentes, vão sentir muito em breve a pressão enorme que a Rússia vai fazer nos mercados mundiais.